segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Vinho & Alegria

Dando seguimento ao VINHO, uma bebida realmente diferenciada e contemplada. Publico este texto que acabei de ler no blog do “crítico de vinhos”, Marcelo Copello. Um dos maiores especialistas de vinhos do Brasil. Um texto extraído do mais recente livro dele “Vinho & Algo Mais” (Editora Record, 2004). Aprecie com moderação!


“Vinho não se combina apenas com alimentos ou com música, como já dissertei a respeito, mas com um contexto ou uma ambience. As circunstâncias influem decisivamente em nossa apreciação de uma boa garrafa. Nosso estado de espírito, a companhia, a temperatura do ambiente, a música, a iluminação, a decoração, a vista, a estação do ano, o que foi bebido antes e o que esperamos consumir depois. A situação completará o significado da experiência sensorial. Por pura diversão, podemos delinear uma classificação dos vinhos neste sentido:
Alguns, assim como algumas peças musicais, têm uma função. Os prelúdios, ou as aberturas, preparam nossos ouvidos para o que virá a seguir. Podemos, então, chamar de vinhos de introdução aqueles cuja função é aguçar o paladar e “fazer a boca”. Já os vinhos de conversação, são para a confraternização dos companheiros, como nos poemas de Neruda: gregários, bebidos ao sabor de histórias e risadas. Os vinhos de pretexto dispensam a reputação, são mera distração, também conhecidos como vinhos de entretenimento, como a pipoca do cinéfilo. Seu primo é o vinho passatempo, que funciona como o baralho para um jogo de cartas. Não muito distante está o vinho de novela, que quase sempre nem é vinho, mas um líquido fake, como água e groselha.
Os vinhos de visita contém certa formalidade, o rótulo escolhido varia conforme o grau de cerimônia e apreço atribuídos ao visitante. O vinho refrescante é aquele que, assim como as narinas, se abrem ante seu frescor, e o paladar, ante sua acidez, faz o coração se abrir para a vida. Temos também o vinho para 13 à mesa, que, se for realmente bom, motivará outros 13 a cobiçar um lugar à esta, e logo serão 26.
Os vinhos de pessoa jurídica, com muitos dígitos no preço, são adequados para fechar grandes negócios. Um contraparente seu é o vinho de ostentação, para quem o “ter” é mais importante do que o “ser”. Do mesmo clã, temos os vinhos de sonho, aqueles cujo preço e raridade os afastam de nossa realidade e os aproximam de nossas fantasias.
Os vinhos importantes, próprio para pessoas importantes; e vinhos ainda mais importantes, para pessoas simples para quem qualquer vinho é uma dádiva. Muitos almejam provar o vinho para comemorar 100 anos, mas este pode ser o mesmo usado para comemorar cada minuto.
O vinho dos técnicos – agrônomos, enólogos e agricultores – para quem mais que fermentado de uva, é suor, labor diário, dedicação e sustento. Oposto do vinho apolíneo dos degustadores profissionais, das fichas, notas, classificações, rankings e guias; parente do vinho dos práticos e objetivos que querem o “melhor” por seu dinheiro, e buscam este “melhor” nos guias. Existe ainda o vinho poético, embora a poesia não esteja nele e sim em quem o bebe e faz a sua apologia. Não esqueçamos do útil vinho de batalha, quando a quantidade impossibilita a qualidade, muito comum em vernissages, casamentos e noites de autógrafos. Também, porque não, o vinho do pileque, pois é preciso ser moderado em tudo, até na moderação, cometendo às vezes alguns excessos.
O vinho de boas vindas é irmão do vinho de despedida, do qual se pode guardar uma garrafa e transformá-la no vinho do reencontro. O vinho coringa é o que serve para todas as ocasiões, como o Champagne, ótimo para o café da manhã, começando o dia ou encerrando a noite. Alguns vinhos são abertos simplesmente para matar a sede. Outros são tão encorpados que matam a fome também. Os vinhos de aquecimento são muito úteis em locais de clima frio, para aquecer o corpo, a alma e, quem sabe, a cama.
A família dos vinhos de assunto é grande. Temos o vinho de reminiscências que nos fazem lembrar histórias, ou até inventá-las. Há os que soltam nossas línguas e os que as enrolam. Sem falar nos vinhos de conversa fiada e vinhos que são o assunto da conversa. Destes, o antepassado mais ilustre é o vinho de meditação, que pede silêncio e concentração. Obras de arte líquida, uma epifania quase religiosa, para se beber de joelhos. Nesta categoria se encaixa a maioria dos vinhos de sobremesa, que nos chegam no final de uma refeição quando estamos em paz com nosso estômago e com nós mesmo, com uma sensação de completude e plenitude. Momento propício para pensar na vida em perspectiva, com religiosidade para os religiosos ou contemplação filosófica para os agnósticos.
O vinho pretensioso é o da paixão, pois toda paixão é pretensiosa, é revolucionária, muda nossa maneira de ver o mundo e faz com que o mudemos. Uma variante é o vinho da sedução, que hipnotiza os amantes, temperando o encanto, umedecendo o fascínio e aquecendo os espíritos.
Fascinante é o vinho da harmonização, combinado a cada prato da refeição. Os verdadeiros enófilos sabem, no entanto, que vinho se combina com o ar que respiramos. Tintos harmonizam com carne, a de que somos feitos. Brancos são para acompanhar os frutos do mar, com a brisa e o som das ondas, e, sobretudo, as sereias.
O único vinho que não conheço é o da tristeza e o da solidão, pois este azeda rapidamente, sendo conhecido, então, como vinagre. Acima de todos o vinho alegre, pois sem alegria, nem a vida nem o vinho valem a pena.”

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